Galinha Pintadinha faz 15 anos e mira novos mercados

Galinha Pintadinha faz 15 anos e mira novos mercados

Por: Beatriz Calais

“Temos galinha em italiano, francês, japonês, chinês, alemão, espanhol, português e inglês”, conta Juliano Prado, um dos criadores da Galinha Pintadinha. Esse é o resultado do projeto internacional que começou em 2013 com a intenção de ir além da música, mas vender itens licenciados e produções de conteúdo. Depois da América Latina, Itália e Espanha, a marca busca espaço em países culturalmente mais distantes do Brasil, como Índia, Japão e China. “Às vezes não dá certo. A dublagem em alemão, por exemplo, ficou bem estranha”, brinca o empreendedor. “Mas temos que arriscar para conquistar.”

Foi essa vontade de arriscar que fez com que a Galinha Pintadinha nascesse e viesse a movimentar R$ 3,5 bilhões em 2020 com conteúdos digitais e com produtos licenciados no varejo. A venda de produtos movimenta o equivalente a R$ 1,5 bilhão (40%), enquanto a outra parte vem da atuação digital, aproximadamente R$ 2 bilhões. Na América Latina,  audiência mais fiel se concentra. O conteúdo da personagem é distribuído pelo Nat Geo Kids e pelo canal digital em espanhol, que conta com cerca de 12 milhões de inscritos. No Brasil, são 28 milhões de inscrições.

Em 2006, os publicitários Juliano Prado e Marcos Luporini produziram um videoclipe despretensioso chamado “Galinha Pintadinha”. Explorando uma música infantil clássica de domínio público, a ideia era fazer uma animação e apresentar para uma emissora de TV como um portfólio de seus trabalhos. Para facilitar a apresentação, eles colocaram o vídeo em uma plataforma que tinha acabado de chegar no Brasil, o hoje popular Youtube. Mas a emissora não se interessou pelo produto.

Para Prado e Luporini, que ousavam no mundo dos negócios desde o início dos anos 2000, essa resposta negativa era mais do que comum. Formado em administração, Prado chegou a ter uma empresa de cartões digitais com mensagens fofas e animadas para compartilhamento virtual, em uma época de computadores com internet discada. “Era tudo na base de tentativas e erros”, conta ele, que pouco se abalou pela falta de interesse da emissora. Na época, trabalhando em uma agência de publicidade, ele simplesmente esqueceu da existência da Galinha Pintadinha por cerca de seis meses. Quando, sem querer, entrou no canal novamente, o vídeo já tinha mais de 500 mil visualizações.

Embora não lembre o número exato de comentários, um detalhe marcou a memória de Prado: as pessoas estavam pedindo mais vídeos da galinha. De certa forma, a audiência criou simpatia por ela e queria mais animações naquele estilo. “Essa primeira música, a clássica da Galinha Pintadinha, nem é nossa. É uma música antiga com domínio público, assim como as clássicas ‘borboletinha’ ou ‘dona aranha’. O foco não era a galinha. Podia ter sido qualquer outro personagem”, conta o publicitário, ainda chocado com a forma pela qual o destino moveu as peças do jogo. “Não foi uma estratégia nossa. Acabou acontecendo de forma natural.”

Mas a visão de negócios dos colegas de trabalho foi essencial para transformar um simples videoclipe em uma grande marca. Quando observaram o número de visualizações e as centenas de comentários pedindo por mais conteúdos, Prado e Luporini logo começaram a pensar no que fazer para lucrar com a viralização. Na época, o YouTube ainda nem fazia parte do Google e não monetizava os criadores de conteúdo. Sendo assim, era preciso migrar da internet para o produto físico. Pensando nisso, os sócios produziram mais 12 videoclipes infantis com músicas clássicas, colocaram em DVDs e CDs e criaram um site próprio de e-commerce para vender esses produtos, que ganharam o nome de “Galinha Pintadinha e sua Turma”.

“A experiência como publicitários nos ajudou a entender que a galinha como protagonista era um ponto forte de marketing, já que seria possível se afeiçoar a ela como personagem. É diferente de um simples DVD com músicas antigas”, diz Prado. Já o YouTube servia como um canal de divulgação e pesquisa de mercado, com comentários públicos que deixavam claro o que a audiência esperava consumir. Em poucos meses, a Galinha Pintadinha virou um sucesso de vendas.

Desde então, já se passaram 15 anos. Uma década e meia de produções de músicas novas, contratos fechados e reinvenções com o avanço da tecnologia. O YouTube, que era apenas um meio de divulgação, hoje soma mais de 33 bilhões de visualizações e 43 milhões de inscritos em seus canais. Seu aplicativo, disponível em português, espanhol e inglês, ultrapassou 55 milhões de downloads e já foi baixado em 224 países diferentes, tendo hoje cerca de 500 mil usuários ativos.

Por conta desse cenário de popularidade, a marca se tornou uma importante referência no mercado de licenciamentos. Já foram cerca de 500 produtos licenciados, entre brinquedos, vestuário, DVDs, CDs, livros e produtos para casa. Uma atuação no mercado varejista que resultou em um faturamento de R$ 1,5 bilhão apenas em 2020.

A GALINHA DOS OVOS DE OURO

Para uma geração de crianças, escolher um DVD para assistir um filme na televisão era a maior diversão do mundo. Isso explica o sucesso das locadoras nos anos 2000. E foi exatamente nesse cenário que a Galinha Pintadinha se consagrou, vendendo mais de 2,5 milhões de DVDs até 2020. No entanto, embora a venda tenha sido acelerada nos primeiros anos, a marca precisou se reinventar quando os aparelhos de DVD saíram de moda para dar espaço aos serviços de streaming.

Por sorte, Prado brinca que a Galinha Pintadinha nasceu na internet em uma época que nem a própria web estava pronta para ela. “Quando a tecnologia avançou, nós já tínhamos um canal movimentado e presença nas redes, inclusive com um canal de e-commerce próprio. Sendo assim, o fim dos DVDs não foi um baque”, conta ele. Hoje, o digital representa cerca de 60% da receita da empresa, enquanto a venda de produtos diz respeito aos outros 40%.

O curioso, para o publicitário, foi ter assistido de camarote a descrença do mercado sobre a potência do mundo digital. “Quando fechamos nossos primeiros contratos com as distribuidoras de DVD, eles não se interessavam pela nossa atuação na internet. O YouTube nem entrava no contrato, o que foi muito bom porque o direito digital ficou em nossas mãos”, afirma. “Ne época, a coisa mais tecnológica que negociávamos era o ringtone. Famoso toque de celular.”

Prado destaca que tudo foi feito com cautela, o que foi essencial para a estabilidade do negócio. Enquanto as distribuidoras de DVDs tinham controle dessa parte do mercado, os sócios abriram sua própria empresa para trabalhar os novos conteúdos da Galinha Pintadinha. Batizada de Bromélia Produções, a companhia é pequena, com apenas 15 colaboradores que ajudam no desenvolvimento de novos vídeos e músicas para a personagem. Desde o segundo DVD, é Luporini que compõe as músicas da marca.

Já a venda de outros produtos de varejo fica por conta dos contratos de licenciamento com empresas parceiras. “Nosso primeiro produto fora do contexto de DVDs e CDs foi um bichinho de pelúcia. Achamos que seria legal fazer um já que a galinha realmente tinha um fanclub”, recorda Prado. “Fomos atrás de uma fábrica, encomendamos 500 pelúcias e começamos a vender na lojinha virtual. Como foi um sucesso, pensamos em realmente criar uma marca. O mercado de produtos licenciados não tinha muitos personagens nacionais. Só a Turma da Mônica fazia esse papel, basicamente. Então nos inspiramos.”

O resultado dessa inspiração chegou em alguns anos em forma de popularidade. No Brasil, a fama logo fez com que as produções da Galinha Pintadinha entrassem na grade horária de canais abertos como SBT e TV Cultura. Além de musicais, a personagem também virou estrela de desenho animado. “O próprio Silvio Santos ligou para nossa empresa. Na hora, todo mundo achou que era trote”, conta Prado. O telefonema foi o início da atuação da marca em outras plataformas de entretenimento. “Conseguimos colocar na Netflix e no NetNow assim que esses serviços apareceram no Brasil, em 2011.”

Mais do que renda e audiência, os criadores da personagem acreditam ter criado um produto capaz de unir gerações. Com o resgate de repertórios nacionais antigos, assistimos avós e netos ouvindo e cantando as mesmas músicas. “Ajudamos a perpetuar um patrimônio cultural brasileiro”, diz Prado, que agradece imensamente por não ter deletado o videoclipe do YouTube em 2006.

Matéria originalmente publicada na Revista Forbes online em 22 de setembro de 2021

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